16
SET
2015

Nelson Costa Fossatti

O professor titular da Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia (FACE) Nelson Costa Fossatti leciona na PUCRS desde 1987, com um período de interrupção. É engenheiro de Telecomunicações, com mestrado em Administração e em Filosofia, e doutorado em Comunicação e em Filosofia. Na área de Administração, a ênfase do trabalho do professor é em Políticas e Planejamento Governamental, Planejamento Estratégico, Sistemas de Indicadores de Desempenho, Gestão de Comunicação, Gestão da Informação e Responsabilidade Social nas Organizações. Nesta entrevista, ele nos conta um pouco do que trata os seus livros e de como é trafegar em duas áreas, de exatas e de humanas, que aparentemente poderiam se antagonizar, mas na prática se complementam.

1 – Conte-nos sobre a sua trajetória profissional?

Professor Fossatti: no período de 1987 a 1992 fui Professor da Faculdade de Informática e Engenharia na disciplina de Comunicação de Dados. Como Engenheiro de Telecomunicações contribui para projetar e criar o Laboratório de Comunicação de Dados da PUCRS. Licenciei-me da universidade de 1992 a 1996, para desempenhar atividades no setor Público, ocupando, posteriormente, as direções da CRT, da Fundação de Recursos Humanos, da área técnica da Secretaria de Minas Energia e Comunicações, e da superintendência Geral da Secretaria de Planejamento e Administração. O retorno à PUCRS ocorreu em PUCRS em 1997. A partir daí, passei a dar aulas na Escola de Negócios, da FACE, na Faculdade de Comunicação Social (FAMECOS) e Faculdade de Teologia. Também passei a lecionar na Fundação Getúlio Vargas-FGV, Fundação de Recursos Humanos, Escola do Ministério Público do RS, Escola do Tribunal de Justiça do Estado-AJURIS, Fundação de Recursos Humanos Estado, Escola de Gestão do Município de Porto Alegre. Ocupei ainda o cargo de assessor de Comunicação da FAMURS, participando da criação do Conselho de Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul – FAMURS e a presidência do Comitê de Cidades Digitais do Rio Grande do Sul, coordenando o Fórum de Cidades Digitais que envolveu iniciativas da PUCRS e da FAMURS.

2 – Não é novidade que muitos professores convivem bem tanto na área de exatas como na de humanas. Como esta complementariedade ocorreu com o senhor?

Professor Fossatti: o grande erro da Idade Média foi o de colocar antolhos nas universidades. Refiro-me às séries iniciais dos cursos de graduação, onde as disciplinas são endereçadas e tem o compromisso de especializar o aluno para áreas específicas ( técnicas, humanas, biológicas, etc.) onde o objetivo não é desenvolver a plenitude do conhecimento do homem, mas despertar a máquina que habita o ser humano, que, sem refletir, passa a torturar a natureza para descobrir seus segredos e, às vezes, situá-lo dentro de uma racionalidade instrumental que pode levar a banalização da vida, e a desumanização da natureza. Com isso, o homem do nosso século passou a ser um animal avaliado por seus resultados, um animal medido (um reservado, grande campeão, com cinco estrelas), mensurado mais pela produtividade do que por suas qualidades. Poderemos estar indo para nos entregar à máquina que domina o homem, o que estudo na minha tese. Por natureza sou otimista, trago uma Docta Spes, não gosto de pôr do sol, gosto mais da aurora. Entendo o que diz o Papa Francisco em sua encíclica Laudato si, quando alerta que “o homem deve realizar o papel de colaborador de Deus, na obra da criação; porém, quando ele busca substituir a Deus acaba por provocar a revolta da natureza”. Como professores, temos o compromisso de mostrar não apenas a parte, mas o conjunto da obra – a natureza. Como predisse Bloch, é preciso naturalizar o homem e humanizar a natureza – prego e defendo este discurso. Quero dizer com estas observações que não posso falar de cidades digitais sem falar da Utopia, de Tomas Morus. Não posso falar de Planejamento sem Odisseia, de Homero. Não posso falar da vida, sem comentar Dante e sua Divina Comédia. Não posso falar de Brasil sem falar de Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. Não posso falar de Informação sem falar de Panóptico, de Bentham. Não posso falar em Direito sem conhecer Oréstia, de Ésquilo. Não posso falar do ser-em-possibilidade (empreendedorismo) sem falar de Bloch. No Pensamentos, de Pascal, o filósofo diz uma grande verdade: não posso falar do todo sem conhecer a parte, nem falar da parte sem conhecer o todo. Então, não paro de estudar. Sempre busquei conhecer não só a parte como o todo. Se me perguntarem quem eu sou, eu respondo ainda que não sei, mas sei onde quero chegar.

3 – Dos livros publicados, mais recentemente, destacam-se o Mauá: paradoxos de um visionário e Docta Spes e as Utopias Técnicas. Quais são os paradoxos do visconde? E como situar as utopias técnicas dentro da filosofia? Quais são os paradoxos do Visconde de Mauá?

Professor Fossatti: o grande paradoxo de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, estava presente em suas obras, no seu discurso, embora paralelo as contingências da época, era construído na contramão do status quo e dos propósitos da oligarquia da época, onde a economia era sustentada pela mão escrava. O paradoxo está em desafiar o modelo de economia primária pela lógica do empreendedorismo, criando empresas de navegação e transporte trem, energia elétrica – luz, telecomunicações, bancos-financeiras. Considero Mauá não só um visionário, um sonhador, mas, um empreendedor capaz de materializar suas utopias-concretas e dar vida aos seus sonhos acordados.

4 – Como situar as Utopias Técnicas dentro da Filosofia?

Professor Fossatti: para abordar filosofia, vamos começar por Platão. Em duas de suas obras Crítia e Timeu, o filósofo já se referia a uma ilha perdida que inspirou  mais tarde a Utopia, de Thomas Mórus. No meu livro Docta Spes e as Utopias Técnicas, já na segunda edição, não tem a preocupação com as utopias sociais. Estou pensando as visões oníricas, os sonhos acordados que são esquecidos nas dobras do tempo e que poderiam qualificar as relações entre o homem e a natureza. Há nesta reflexão um movimento dialético, que de forma coerente conjuga o ser-em-possibilidade, há um “ainda-não” que poderá–ser, que vai ao encontro do homem, mas ele não percebe. O húmus das utopias técnicas é resultado de uma Docta Spes, esperança sábia, esclarecida, que anima, promove e impulsiona esta dialética quer por sua existência quer por sua falta. Existe utopias concretas quando nos referimos ao fogo de Prometeu, a sombra de Orfeu, entre o crepúsculo e aurora, um bel manzolin de fior, uma rua encantada que nem em sonho sonhei de Quintana, do voo de Ícaro ao avião, dos tambores sinais de fumaça ao telefone, das carruagens ao automóvel. Ali está presente toda esperança sábia, todo o ser-em-possibilidade, apontando que a humanidade ainda-não é totalmente humana, mas que ainda tem a possibilidade de ser.

Currículo lattes:

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4758959P0